Grupo nos EUA fabrica 1ª célula sintética
Bactéria cujo DNA foi montado totalmente a partir de informações vindas de computador ganha vida e passa a se replicar.
Feito coroa trabalho de 15 anos de grupo do americano Craig Venter e prova que a vida não precisa de uma força especial para existir
Não é ainda vida artificial criada do zero, mas é quase. Após 15 anos de esforços e gastos de US$ 40 milhões, cientistas nos EUA construíram a primeira célula viva sintética.
Trata-se de uma bactéria cujo DNA foi inteiramente sintetizado a partir de informações contidas num computador e depois inserido num micróbio "oco", sem DNA. Este foi "reinicializado" e passou a se replicar, dando origem a colônias de células sintéticas.
"É a primeira espécie que se replica que tivemos neste planeta cujo pai foi um computador", diz o líder da pesquisa, o americano Craig Venter.
O polêmico cientista e empreendedor, famoso por ter liderado o esforço privado de sequenciamento do genoma humano (o dele próprio) na década passada, não economizou palavras sobre o feito: "estamos entrando em uma era limitada apenas pela nossa imaginação".
"É um passo importante tanto cientificamente como filosoficamente. Certamente mudou minhas visões das definições da vida e de como a vida funciona", declarou o pesquisador, cujo trabalho foi publicado on-line ontem pela revista "Science".
"O feito de Venter parece liquidar o argumento de que a vida requer uma força ou um poder especial para existir. Na minha visão, isso o torna um dor feitos científicos mais importantes da história da humanidade", disse o bioeticista Arthur Caplan, da Universidade da Pensilvânia. Ele comentou o estudo para a revista "Nature".
Outros cientistas veem o feito com mais cautela. Para o Nobel de Medicina David Baltimore, Venter "superestimou a importância" do trabalho. Para Baltimore, trata-se de uma façanha técnica, mas não de uma revolução conceitual.
A criação de micróbios com genomas sintéticos serviria para facilitar a produção de vacinas, para a produção de combustíveis ou para sequestrar gás carbônico do ar.
A ideia é levar a engenharia genética ao extremo, construindo DNA que permitisse à criatura produzir proteínas que não produziria de outra forma.
Venter e seus colegas partiram da sequência do genoma (o conjunto dos genes de uma criatura) conhecido de uma bactéria e montaram uma versão sintética, "como quem tem uma caixa de Legos e tem de montá-los na ordem correta".
Duas bactérias parecidas foram usadas. A equipe sintetizou o genoma da espécie Mycoplasma mycoides, com alguns acréscimos e cortes para servir como forma de identificação (por exemplo, fazendo a bactéria ficar azulada), e transplantou os genes artificiais na sua "prima" Mycoplasma capricolum. Ou seja, apenas o genoma era sintético, não a célula toda.
O grande feito foi fazer o genoma sintético "religar" a célula e transformá-la em uma nova espécie. Venter compara o trabalho com computação. O que a equipe fez foi trocar o "software" do sistema operacional e fazer um computador inoperante voltar a funcionar.
A espécie artificial foi batizada como Mycoplasma micoides JCVI-syn1.0, sigla para "organismo sintético do James Craig Venter Institute 1.0".
Venter e seu colega Daniel G. Gibson primeiro trabalharam com uma bactéria com o menor genoma conhecido, a Mycoplasma genitalium, com 600 mil "letrinhas" (as bases químicas do DNA) e 500 genes.
Em 2008, eles já tinham conseguido criar um cromossomo artificial com essa bactéria. Mas, como a M. genitalium demora para crescer, Venter trocou a bactéria por uma com genoma maior (1 milhão de bases), mas de crescimento bem mais rápido, a M. mycoides.
O pesquisador fundou a empresa Synthetic Genomics para comercializar eventuais aplicações das pesquisas.
Ambientalistas reclamaram da pesquisa ontem. A ONG Amigos da Terra rogou a Venter que parasse suas pesquisas enquanto não houvesse regulamentação do governo dos EUA sobre micróbios sintéticos. O medo é que essas novas criaturas escapem para o ambiente.
Venter diz que seu trabalho tem sido analisado por comitês de ética acadêmicos e governamentais desde 1995.
in http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2105201001.htm
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